sexta-feira, 20 de junho de 2008

LARANJA INDIGESTA

Gazeta do Povo Sexta-feira, 20/06/2008
Celso Nascimento (celso@gazetadopovo.com.br )

O voto do conselheiro Acácio

Os que acompanharam a sessão plenária do Tribunal de Contas, ontem, ficaram sem saber se estavam diante do conselheiro Artagão de Mattos Leão ou de outro conselheiro, o Acácio – personagem de Eça de Queirós celebrizado pela obviedade vazia de suas observações –, quando ouviram a seguinte frase: “O pregão eletrônico é uma modalidade de licitação que se aplica à aquisição de bens comuns.”

A frase consta do voto apresentado por Mattos Leão ao responder à consulta do secretário da Educação, Maurício Requião, sobre a legalidade da compra dos famosos 22 mil televisores laranja. A aquisição foi feita em dezembro de 2006 por meio de pregão eletrônico e não por concorrência pública, como, segundo entendem os juristas, manda a lei.

Mattos Leão recorreu à obviedade, pois o que disse é exatamente o que prescreve a lei 5.450/2005, segundo a qual a modalidade de pregão eletrônico só se aplica à aquisição de bens comuns – isto é, àqueles padronizados e encontráveis nas prateleiras. O óbvio era tamanho que o voto acaciano não tinha como não ser aprovado. E de fato o foi pela maioria.

Norma

Mas é justificável que a resposta tenha sido assim. Por dois motivos. O primeiro, para não desagradar dos irmãos Requião; o segundo, para cumprir a norma de que o Tribunal só pode responder consultas em tese, nunca sobre casos concretos e despesas já realizadas.

Então, o jeito foi arrumar um modo de responder em tese. Com isso, habilmente, o conselheiro Mattos Leão – tal como faria o conselheiro Acácio – evitou enredar-se nas complicações que, concretamente, o caso apresenta.

Por exemplo: televisor na cor laranja é um bem comum? Pode ser encontrado nas prateleiras ou é preciso pedir a um fabricante que o produza especialmente nessa cor? Todas as demais características técnicas exigidas pelo edital podem ser encontradas reunidas num só tipo de aparelho? Se não, o bem licitado não é comum; é preciso fabricá-lo especialmente.

Se tivesse desenvolvido esse raciocínio, o conselheiro Artagão teria de afirmar que a tevê laranja de Maurício Requião só poderia ser comprada por meio de concorrência. Logo, teria dito que o pregão eletrônico foi ilegal. Coisa que não tinha sido combinada.

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