terça-feira, 24 de junho de 2008

Ainda há muita luta a ser enfrentada

Em defesa da gestão democrática na educação

Por Carlos Ramiro de Castro

Problemas são derivados de um tipo de concepção que resulta em medidas equivocadas


Nos últimos meses, setores da mídia vêm promovendo interessante debate sobre a educação no Brasil. A cada nova avaliação de desempenho escolar, em nível nacional e internacional, ocorrem novas discussões sobre as razões e os responsáveis pelos sofríveis resultados alcançados. A educação, finalmente, parece estar no centro das atenções. Isto é bom.

Preocupa-nos, neste debate, o posicionamento de algumas autoridades, que debitam os problemas educacionais brasileiros a causas relacionadas à gestão dos sistemas de ensino e a uma suposta incompetência dos professores. Ou seja, as autoridades educacionais procuram "empurrar" aos profissionais da educação suas próprias responsabilidades quanto ao desempenho de nossos sistemas educacionais.

Para nós, os problemas da educação brasileira não se resumem à sua gestão. São derivados de um determinado tipo de concepção educacional que resulta em medidas equivocadas e distanciadas das necessidades da população. Trata-se de uma concepção ideológica bem definida quanto ao papel que a escola pública deve ocupar na nossa sociedade, cujo objetivo central seria o oferecimento de um instrumental mínimo para inserção das parcelas mais pobres da população no mundo do trabalho em funções subalternas e, evidentemente, mal remuneradas.

É, devido a esta concepção, que não se investem recursos suficientes na escola pública e não se buscam políticas de qualificação profissional em serviço para todos os professores; não se implementam condições de trabalho adequadas para o conjunto das escolas e do magistério; não se desenvolvem políticas salariais e de valorização profissional para o conjunto dos profissionais da educação; não se constroem planos de carreira e de evolução profissional condizentes com as necessidades dos docentes; não se implementam políticas de gestão educacional verdadeiramente democrática e participativa.

Hoje a sentença da moda entre muitos dirigentes da educação pública é "premiar o mérito". No estado de São Paulo, este é o norte de todo o conjunto de concepções pedagógicas da atual gestão da Secretaria de Educação. Nos países onde são aplicadas políticas de pagamento de prêmios em dinheiro aos supostamente "melhores", como é o caso de Portugal, os resultados têm sido desastrosos.

O que está na essência da idéia de "mérito" na escola pública é, em primeiro lugar, a negação do trabalho coletivo como essência do processo educacional. O ofício de ensinar é visto como uma atividade individual e competitiva.

Tenta-se modernizar a velha crença no "sacerdócio" da atividade docente. Procura-se passar à opinião pública que pode haver "mérito" sem formação adequada, sem infra-estrutura escolar, sem plano de carreira, sem incentivo à progressão profissional, sem debate sobre as políticas educacionais, sem salários dignos.

Que possibilidade de "mérito" pode haver entre professores que são obrigados a dar aulas em duas ou três escolas para obterem uma remuneração apenas suficiente para uma sobrevivência digna? Que "mérito" é possível em escolas inseguras, decadentes, onde são ausentes laboratórios, bibliotecas, salas de informática e uma série de outros equipamentos fundamentais ao processo de aprendizagem?

O que pretendem os defensores da política de valorização do mérito individual dos professores como critério determinante para a remuneração destes profissionais, é isentar o Estado de suas obrigações. Não há nenhuma novidade: é a política de Estado mínimo, tão cara aos neoliberais e que nada tem de social-democrata. Quanto menos Estado, melhor.

Os professores querem, sim, ser avaliados mas se recusam aceitar que esta avaliação seja baseada em critérios obscuros, que seja utilizada para pagamento de "prêmios" e "bônus" individuais e não para a melhoria salarial dos professores, através da evolução na carreira.
A escola que temos é desenhada e formulada bem distante das comunidades escolares. Não apenas no Brasil, mas na maioria dos países pobres. Ela mimetiza modelos que não necessariamente correspondem às necessidades objetivas e subjetivas das suas populações.
Se a escola pública não se abrir à comunidade e não desenvolver mecanismos que possam buscar e envolver os milhões de adultos e crianças que estão fora dela, trazendo-os e mantendo-os inseridos no processo educacional, de nada adiantarão as campanhas de alfabetização, nem os apelos à escolarização.

Nos interessa, e muito, um profundo debate sobre a educação brasileira. Queremos rediscutir a Lei de Diretrizes e Bases, o Plano Nacional de Educação, os parâmetros curriculares e as concepções educacionais. Muito além do que pretendem algumas autoridades educacionais do nosso País.


Carlos Ramiro de Castro é professor e presidente da Apeoesp

Fonte: http://www.apeoesp.org.br/especiais/gestao_democratica.html

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