sábado, 5 de abril de 2008

Editorial da Gazeta do Povo

Gazeta do Povo

Sábado, 05/04/2008

Editorial 1
Vítimas em dobro

Publicado em 05/04/2008
O confronto entre a Guarda Municipal de Curitiba e alunos de escolas públicas da capital paranaense, que provocou ferimentos em um estudante e a prisão de outros dois, na quarta-feira, numa manifestação pela extensão total do passe livre no transporte coletivo, expõe uma série de mazelas de nossa incipiente democracia. Mazelas estas de certa forma contumazes, geradas no ocaso ou na falta de autoridade, no terreno pantanoso da manipulação política e pela própria imaturidade social.

Faltou, no episódio, autoridade à guarda sob a responsabilidade da prefeitura municipal, porque os policiais que agrediram os estudantes, em primeiro lugar, feriram o seu próprio código de conduta. Ou a regra mais elementar da missão e do trabalho: promover ações preventivas, garantir a segurança dos cidadãos e preservar o patrimônio público quando realmente há risco. Além do mais, não cabe a essa guarda o papel repressor.

A ação policial deixou transparecer ainda a falta de preparo dos funcionários públicos municipais pagos para proteger o cidadão. Parece até um repeteco de ações condenadas no passado, quando os brasileiros eram privados da integridade de seus direitos civis. O coronel Itamar dos Santos, secretário de Defesa Social de Curitiba, chegou a dizer a uma rádio da capital que o estudante ferido tinha sido “apenas pisoteado” pelos seus colegas, quando testemunhas o viram sendo covardemente espancado pelos seus guardas.

De outro lado, a manipulação política também ficou evidente, no episódio. Ainda mais considerando que este é um ano eleitoral e de decisivo confronto entre forças locais predominantes. Alguns diretores de escolas até incentivaram seus alunos a participar do ato de protesto. Este caso ficou comprovado no Colégio Estadual do Paraná, o maior da rede pública paranaense. No dia anterior, os pais haviam recebido em casa uma circular da escola, informando que os alunos que optassem pela participação no ato público teriam as faltas justificadas. Ora, isso é partidarismo renhido – algo que não deveria acontecer numa direção escolar de bom-senso. Ou será que esses diretores estão em seus cargos só para fazer política? Quanto às lideranças estudantis que promoveram o ato, dá para dizer que cumprem um velho papel, sendo de esquerda ou de direita: o de realizar manifestações a qualquer custo quando estão à frente de uma entidade. Não importa se a reivindicação é batida ou inexeqüível. É algo que faz parte da vida (ou do folclore?) estudantil.

Ora, o passe livre, hoje, em Curitiba, já é uma conquista do estudante da escola pública. É uma isenção bem razoável que atende a quem comprova a necessidade do benefício. O poder público pode ir mais longe, neste caso? Quanto isso onera os cofres públicos? Quanto é possível dar de isenções a estudantes, a aposentados e a outras categorias sociais que precisam de ajuda do Estado? Esta carga, no Brasil atual, já está acima do limite dos que pagam impostos. É visível que o Estado não tem mais de onde tirar recursos para atender a tantas reivindicações dessa natureza. Demandas que podem ser justas, mas que também podem fazer apenas a festa do oportunismo político.

Liberar geral as catracas para toda a massa de estudantes da rede pública parece mais o sonho de um país escandinavo (Suécia, Dinamarca), onde quase todos os problemas estão equacionados e há recursos para todo o tipo de isenção.

Todo o estudante tem a obrigação de sonhar e de buscar melhores condições de ensino e de qualidade de vida. Nesse episódio, porém, ficou claro que os estudantes foram duplamente vitimizados: tiveram suas ações conduzidas por grupos com interesses políticos específicos e não mereceram da Guarda Municipal o respeito que a livre manifestação, desde que ordeira, merece.

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