sábado, 24 de maio de 2008

A sociedade precisa começar a refletir sobre este sério problema e exigir mudanças.

Sábado, 24/05/2008
Marleth Silva

Homens públicos não usam serviços públicos

Publicado em 24/05/2008 | marleth@gazetadopovo.com.br
Será que se o ministro da Educação e os secretários estaduais e municipais de Educação, ao assumir o cargo, imediatamente transferissem seus filhos para escolas públicas, a situação dessas escolas melhoraria? Será que se o presidente da República, os ministros, senadores e deputados, procurassem o Hospital de Clínicas para fazer seus check-ups anuais ou para tratar dos problemas de saúde de seus cônjuges, haveria alguma modificação na realidade desses hospitais? E se o prefeito e os secretários fossem trabalhar de ônibus diariamente, o sistema público de transporte melhoria?

Muitas dessas pessoas que citei acima devem ser sinceramente interessadas em melhorar a qualidade dos serviços oferecidos à população pelas suas áreas. Mas me arrisco a dizer que seriam muito mais eficientes e ainda mais empenhadas se seus familiares fossem usuários desses serviços. É um traço humano, um pouco mais forte em uns do que em outros: queremos o bem da humanidade, mas queremos com muito mais intensidade o bem de quem amamos, de nossos filhos, nossos pais, de nós mesmos. Já a empatia – outro traço humano – varia muito de pessoa para pessoa. Alguns ficam consternados ao ouvir falar das pessoas que esperam meses por uma consulta no HC mesmo sofrendo muito com um problema de saúde. Outros não piscam um olho: esses só sentiriam o sofrimento se ele fosse na sua própria pele, quando um parente próximo precisasse de um especialista e, sem dinheiro para pagar plano ou consulta particular, fosse obrigado a recorrer ao hospital público.

O político competente vai tentar fazer o melhor (no mínimo, pensando na repercussão que uma boa gestão terá na sua carreira), mas se não for usuário do serviço público, manterá sempre essa distância, essa frieza profissional em relação ao seu campo de atuação.

O que há de errado com o distanciamento e a frieza profissional dos nossos administradores públicos e legisladores? Nada, se nossos HCs não estivessem na penúria que estão; as escolas públicas desacreditadas; o transporte coletivo decepcionando os usuários cada vez que eles giram a catraca.

As deficiências do serviço público são, ao mesmo tempo, uma questão de justiça social (é moralmente errado deixar tanta gente sofrendo por falta de recursos) e de pragmatismo (o Brasil não vai melhorar sem boas escolas, bons serviços de saúde e um transporte coletivo que seja de fato uma alternativa ao transporte individual). Para mudar o estado das coisas é preciso um empenho tão sincero, mas tão sincero que até se aproxime da paixão. Conseguiríamos esse empenho apaixonado se os legisladores e gestores públicos vivessem na pele o que seus “clientes” vivem.

Eles podem dizer: seria improdutivo gastarmos nosso tempo em filas de ônibus quando temos tanta coisa importante para decidir. E o sr. e a sra. Povo, não têm?

Me pergunto se o presidente Lula teria deixado a crise aérea ir tão longe se ele só viajasse de avião de carreira e não no Boeing presidencial. Se o Judiciário e o Ministério Público não procurariam formas mais rápidas de definir o futuro das crianças institucionalizadas se fossem seus netos que estivessem passando a infância em abrigos. Se senadores, deputados e vereadores desperdiçariam um único real do dinheiro público se seus filhos precisassem esperar seis meses para fazer um raio-x em um hospital público.

Acho que as soluções iriam aparecer rapidamente.

Marleth Silva é jornalista.

Um comentário:

Anônimo disse...

PUXA!!! GOSTEI MUITO! SERÁ QUE A JORNALISTA MANDOU O TEXTO, TAMBÉM PARA OS POLÍTICOS? SERIA ÓTIMO VER ESSAS IDÉIAS NOS TELEJORNAIS. ENQUANTO ISSO FAÇAMOS O QUE PUDERMOS. VOU PASSAR PARA FRENTE, CONVERSAR SOBRE... MAS AS QUESTÕES SOCIAIS, NO BRASIL, ESTÃO A MERCÊ DA BANDIDAGEM E DA HIPOCRISIA DOS POLÍTICOS.