quarta-feira, 28 de maio de 2008

A luta precisa continuar

Gestão democrática e a escolha de diretores
As formas de provimento ao cargo de diretor: limites e possibilidades

Variadas são as formas e as propostas de acesso à gestão das escolas públicas historicamente utilizadas no sistema educacional brasileiro.

Entre elas destacam- se:

diretor livremente indicado pelos poderes públicos (estados e municípios);
diretor de carreira;
diretor aprovado em concurso público;
diretor indicado por listas tríplices ou sêxtuplas ou processos mistos; e
eleição direta para diretor.
Cada uma dessas modalidades se fundamenta em argumentos importantes, mas nenhuma parece garantir plena e isoladamente as exigências para o cumprimento das funções do diretor na gestão democrática da escola. Entendemos que a complexidade do processo de gestão implica considerar algumas exigências para a escolha do diretor: a efetiva participação das comunidades local e escolar, a proposta pedagógica para a gestão e a liderança dos postulantes ao cargo.

A discussão sobre as formas de escolha, portanto, é tarefa complexa, com posições político-ideológicas muito distintas. Por isso, no presente caderno optou-se por indicar as diversas formas de escolha de diretores, de modo que subsidiassem a opção que os sistemas de ensino e suas escolas venham a fazer. É fundamental, no entanto, que essa opção garanta processos de participação coletiva.

Ao analisar essas modalidades, a livre indicação dos diretores pelos poderes públicos se fundamenta na prerrogativa do gestor público em indicar o diretor como um cargo de confiança da administração pública. Historicamente, contudo, essa modalidade parece ter contemplado as formas mais usuais de clientelismo, na medida em que se distinguia pela política do favoritismo e da marginalização das oposições, e o papel do diretor não contava com o respaldo da comunidade escolar. Essa modalidade articulada ao conservadorismo político permitia, portanto, a transformação da escola em um espaço instrumentalizador de práticas autoritárias e mecanismo de barganhas políticas as mais diversas, evidenciando forte ingerência na gestão escolar.

Quanto ao diretor de carreira, modalidade reduzidamente utilizada, a sua configuração encontra-se estruturada a partir do estabelecimento de critérios rígidos ou não. Nesse caso, o acesso ao cargo de diretor considera aspectos como: tempo de serviço, merecimento e/ou distinção, escolarização, entre outros. A considerar a falta de planos de carreira, tal modalidade, tendo em vista o dinamismo da prática educativa, reforça, na maioria dos casos, a manutenção da ingerência e do clientelismo no cotidiano escolar, além da exclusão da comunidade escolar na definição de seu destino. No setor público apresenta- se como uma variação da modalidade de indicação política, apesar de parecer fundada no mérito das pessoas.

Alguns interlocutores têm defendido o concurso público como mecanismo para nomeação do diretor, por se creditar a esse processo a objetividade na escolha baseada em méritos intelectuais. É fundamental ressaltar que essa modalidade não tem sido adotada pela maioria dos estados e municípios. Por considerar que a gestão escolar não se reduz à dimensão técnica, mas configura- se também como ato político, entendemos que essa modalidade reduz o escopo da gestão a atividades administrativas rotineiras e burocráticas, deixando em segundo plano a compreensão mais abrangente do processo político- pedagógico. A defesa do concurso público, ao nosso ver, deve ser bandeira a ser empunhada e efetivada como forma de ingresso para a carreira docente no setor público. Assim, acreditamos que o concurso de provas, ou de provas e títulos, deve ser o ponto de partida para o ingresso do educador no sistema de ensino e, desse modo, parece não se apresentar como a forma mais apropriada para a escolha de dirigentes escolares, pois a gestão escolar não deve constituir um cargo ou função vitalícia por meio de um processo de seleção que não leva em consideração a participação efetiva da comunidade escolar e local.

A indicação a partir de listas tríplices ou sêxtuplas, ou a combinação de processos (modalidade mista), consiste na consulta à comunidade escolar, ou a setores desta, para a indicação de nomes dos possíveis dirigentes. Cabe ao Executivo ou a seu representante nomear o diretor dentre os nomes destacados e/ou submetê-los a uma segunda fase, que consiste em provas ou atividades de avaliação de sua capacidade cognitiva para a gestão da educação. Tal modalidade recebe o crivo da comunidade escolar no início do processo, perdendo o controle à medida que cabe ao Executivo deliberar sobre a indicação do diretor escolar fundamentado em critérios os mais diversos. Nesse caso, é importante identificar se o papel desenvolvido pela comunidade escolar é decisivo ou, apenas, legitima o processo amparado no discurso da participação e da democratização das relações escolares.

As eleições diretas para diretores, historicamente, têm sido uma das modalidades tidas como das mais democráticas formas, apesar de se constituírem também uma grande polêmica. A defesa dessa modalidade vincula-se à crença de que o processo implica uma retomada ou conquista da decisão sobre os destinos da escola pela própria escola. O processo de eleição apresenta-se de formas variadas, indo desde a delimitação do colégio eleitoral – que pode ser restrito a apenas uma parcela da comunidade escolar, ou à sua totalidade, compreendida como o universo de pais, estudantes, professores, técnicos e funcionários – até a definição operacional para o andamento e a transparência do processo – data, local, horário, valorização operacional dos votos de participação dos vários segmentos envolvidos. Há, também, exemplos em que a eleição é utilizada como um dos mecanismos de escolha associado a outros, tais como: provas específicas, apresentação de planos de trabalho etc. Vale destacar, nessa modalidade, a importância dada ao processo de participação e decisão na escolha dos diferentes candidatos pelas comunidades local e escolar.

Embora as eleições se apresentem como um legítimo canal na democratização da escola e das relações sociais mais amplas – e não o único –, é necessário não perdermos de vista as limitações do sistema representativo, assentado em interesses muitas vezes antagônicos. Não queremos, todavia, atribuir à eleição, por si só, a garantia da democratização da gestão, mas referendar essa modalidade como um importante instrumento, a ser associado a outros, para o exercício democrático. Isso implica que, aliado à eleição, é fundamental enfatizar conjuntamente a forma de escolha e o exercício da função. Assim, a forma de provimento no cargo pode não definir o tipo de gestão, mas, certamente, interferir no curso desta. Nesse contexto, a eleição deve ser vislumbrada como um instrumento a ser associado a outros na democratização possível das relações escolares.

Paro (2001, p. 65-67) discute e enfatiza a importância das eleições diretas para diretores e constata a expansão e a adoção desse processo eletivo como critério de escolha em grande número de municípios e estados onde vigorava a nomeação política. Realça, também, um conjunto de expectativas provocadas por esse processo, ao mesmo tempo em que destaca algumas limitações e possibilidades. Isso contribui para ampliar a visão sobre a gestão escolar, considerando não apenas a figura do diretor, mas, sobretudo, a efetivação de processos colegiados de decisão e implementação de práticas na realidade escolar.

Apresentamos a seguir, de forma resumida, algumas dessas constatações identificadas por Paro (2001, p. 65-67) em suas pesquisas sobre a prática de escolha de dirigentes pela via eletiva, sobre a crença na capacidade eletiva, eliminação do autoritarismo e risco do corporativismo.

Com relação à crença na capacidade do sistema eletivo de neutralizar as práticas clientelistas, Paro adverte “que as eleições tiveram um importante papel na diminuição ou eliminação, nos sistemas em que foram adotadas, de sistemática influência dos agentes políticos (vereadores, deputados, prefeitos, cabos eleitorais etc.) na nomeação do diretor. Mas isso não significa que o clientelismo tenha deixado de exercer suas influências na escola. Por um lado, em alguns sistemas continuaram a existir brechas para a penetração da influência do agente político na nomeação do diretor; por outro, as práticas clientelistas passaram a fazer parte também do interior da própria escola, quer no processo de eleição do diretor, quer durante o exercício de seu mandato”. Em conseqüência, o fato de “a incipiente prática política introduzida pelas eleições de diretores não ter sido capaz de eliminar por completo essas expectativas e comportamentos clientelistas não pode levar a que se impute às eleições as causas desses males que nada mais são, na verdade, do que remanescentes de uma cultura tradicionalista que só a prática democrática e o exercício autônomo da cidadania poderá superar”.

A expectativa com relação à eleição “era a de que esta conseguiria eliminar o autoritarismo existente na escola e a falta de participação de professores, estudantes, funcionários e pais nas decisões. A suposição por trás dessa expectativa era a de que a falta de participação e o autoritarismo existentes na escola se deviam, em grande parte ou exclusivamente, ao fato de o diretor, não tendo compromissos com o pessoal escolar ou com os usuários da escola, por não ter sido escolhido por estes, tender a articular-se apenas com os interesses do Estado, voltando as costas para a unidade escolar e sua comunidade. Com a eleição, esperavam que a escola se encaminhasse rapidamente para uma convivência democrática e para a maior participação de todos em sua gestão”.

Essas expectativas não se efetivaram globalmente, pois muitos diretores eleitos mantiveram “muitas das características do chefe monocrático que detém a autoridade máxima na escola”. Tal perspectiva sinaliza “que as causas do autoritarismo existente nas unidades escolares não advêm exclusivamente do provimento do diretor pela via da nomeação política”. Desse modo, reafirmar a prática democrática e o exercício da cidadania é fundamental para romper com essas práticas conservadoras nas escolas.

Um outro aspecto que deve ser apontado refere-se à crença na superação do corporativismo, presente nas formas de escolha anteriores à eleição, envolvendo os diferentes segmentos da comunidade local e escolar. Com relação a essa expectativa é fundamental destacar que, apesar de algumas mudanças, novas e velhas ações corporativas ainda se fazem presentes no cotidiano escolar. Isso implica o reconhecimento de que nas eleições, como em todo processo de participação, “o envolvimento das pessoas como sujeitos na condução das ações é apenas uma possibilidade, não uma garantia. Especialmente em sociedades com fortes marcas tradicionalistas, sem uma cultura desenvolvida de participação social, é muito difícil conseguir que os indivíduos não deleguem a outros aquilo que faz parte de sua obrigação como sujeito partícipe da ação coletiva” (PARO, 2001, p. 67).

A constatação desses fatos deve nos estimular a implementar mecanismos reais de participação e de exercício de democracia, de modo que garanta o envolvimento de todos nos processos de decisão e no partilhamento das responsabilidades e, conseqüentemente, no aperfeiçoamento do processo democrático.

Considerando o contexto em que se materializam as práticas educativas e, fundamentalmente, buscando compreender a importância de ações políticas visando o redimensionamento da gestão escolar, no sentido de democratizá-la, é essencial repensarmos os modelos de gestão vigentes, a noção de democratização que possuímos, bem como aperfeiçoarmos os mecanismos de participação existentes.

Como vimos a eleição é um importante mecanismo no processo de gestão democrática, mas não é suficiente. Nesse sentido, outros processos e mecanismos devem ser vivenciados pelas unidades educativas, entre eles, o Conselho Escolar.

Nesse cenário, a garantia de consolidação das eleições diretas para diretores deve-se articular com a garantia de outros mecanismos de participação, como o Conselho Escolar, conforme discutimos anteriormente. Pois pensar a democratização na e da escola implica definir claramente qual a função social da escola. Implica pensar:

Para que serve a escola?
Quais são as suas funções básicas?
A reflexão sobre essas questões deve ser parte da ação dos diferentes segmentos da escola no processo de escolha do dirigente escolar, na participação ativa nos Conselhos Escolares, e assim por diante.

Fonte:

Portal MEC - Sitio SEB

http://portal.mec.gov.br/seb/index.php?option=com_content&task=view&id=793&Itemid=833

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