sábado, 3 de maio de 2008

Movimento dos estudantes do CEP em novembro de 2007 faz relembrar maio de 1968

30/04/2008 - 16h25
"Crise da sociedade mundial se agravou desde 1968", diz professor
FERNANDA BARBOSA
Colaboração para a Folha Online
Os movimentos estudantis de Maio de 68 foram reprimidos em todos os países nos quais ocorreram. Na França, o presidente Charles de Gaulle foi enfraquecido, mas voltou ao poder e conseguiu fazer um sucessor. No Brasil, a ditadura militar também sufocou as manifestações por liberdade. Na Tchecoslováquia (atual República Tcheca), o socialismo "humano" de Alexander Dubcek foi esmagado pelos tanques da ex-União Soviética (URSS).
Para Henrique Carneiro, professor da Faculdade de História da Universidade de São Paulo (USP), os manifestantes de 1968 não chegaram ao poder, mas obtiveram conquistas que moldaram o modo de vida atual. "As grandes conquistas ideológicas, e até simbólicas, instauraram uma política cultural alternativa. O movimento incorporou aspectos que continuam presentes hoje, como o feminismo, a revolução sexual, e a crítica às instituições".
8.abr.2008 - Charles Platiau/Reuters


Estudantes secundários da França relembram Maio de 68 em protesto contra reformas educacionais do governo Sarkozy
Na entrevista, o estudioso ressalta a unidade em vários aspectos dos protestos no mundo "As notícias do movimento estudantil eram divulgadas e todos queriam entrar na mesma onda. (...) O ano de 1968 foi um fenômeno de massa em vários países, cada um com sua razão particular, mas com uma referência comum: a idéia de fazer parte de um movimento internacional", explica ele.
Segundo Carneiro, apesar da "derrota imediata", o movimento conquistou espaços na sociedade e contribuiu para os direitos dos trabalhadores, das mulheres, dos negros e dos índios, além de despertar a preocupação com o meio-ambiente. De acordo com o professor, as referências dos movimentos estudantis de 1968 são as mesmas dos movimentos de hoje em dia, pois a crise da sociedade mundial não foi controlada, pelo contrário, "se agravou".
"A guerra está pior, o meio-ambiente está pior, a situação de desigualdade, de repressão e de racismo estão piores", disse o professor em entrevista por telefone à Folha Online.
Veja a íntegra da entrevista com Henrique Carneiro.
Folha Online - Em relação aos movimentos atuais de ocupação de reitoria, como na UNB, na USP e nas universidades da França, qual a inspiração dos jovens em 68?
Carneiro- Isso é 68 puro. Nos EUA, ocorreu a onda da ocupação das reitorias. Columbia, em Nova Iorque, foi uma referência fundamental. Ficou ocupada por um fim de semana, e os estudantes faziam uma verdadeira vida comunitária, com eventos culturais. Todos os intelectuais iam para lá, o movimento negro participava, fazia conexão com os movimentos sociais. Então, em 68, se tornou um modelo da luta a ocupação de prédios e de instalações administrativas. Foi uma espécie de tática de luta que agora se retoma.
Folha Online - Mas o movimento se retoma com o mesmo fundo ideológico?
Carneiro- Dizer que é a mesmo coisa é exagero, mas posso dizer que está na mesma perspectiva histórica. É um movimento que continua a ter referências semelhantes, atualizações em todos sentidos, há um paralelo muito grande. Mas as invasões não são uma simples repetição que ocorrem 40 anos depois. Na França, isso tem ocorrido de forma quase episódica: em 1995, há dois anos e agora, com a nova onda de manifestações, que o ministro da Educação [Xavier Darcos] afirmou não passar de um ritual de rebeldia. Mas é muito mais do que isso. É o fato de que a crise da sociedade mundial de 1968 se agravou. Hoje em dia o mundo está pior. A guerra está pior, a situação do meio ambiente está pior, a situação de desigualdade, de repressão, de racismo. Tudo isso está pior.
Folha Online - As conquistas sociais não foram feitas com as manifestações de 68?
Carneiro- Eu acredito em uma conquista mais ideológica do próprio movimento social, que incorporou aspectos que continuam presentes, como o feminismo, a revolução sexual e a crítica às instituições oficiais.
Folha Online - Quais foram os efeitos, no Brasil e na América Latina, das revoluções na França e no resto da Europa em Maio de 68?
Carneiro- Na verdade, o movimento na América Latina teve uma dinâmica própria e, no caso brasileiro, anterior à da França. Aqui, em 28 de março, ocorreu o assassinato do estudante Edson Luiz [de Lima Souto, morto pela polícia do Rio de Janeiro durante repressão a uma manifestação contra o aumento dos preços do restaurante Calabouço, do Instituto Cooperativo de Ensino] e se deu um processo que na França só veio a eclodir no fim de abril e sobretudo em maio. Mas não foi só o Brasil. A Itália, a Alemanha e a Polônia também antecederam a França.
Folha Online - As causas dos movimentos foram as mesmas em todos os países?
Carneiro- Foram, porque havia uma unidade em vários aspectos, sobretudo no aspecto simbólico. As notícias do movimento estudantil eram divulgadas e todos queriam "entrar na mesma onda". De certa forma, essa foi a primeira geração globalizada pela televisão com transmissão simultânea por satélite. Havia um acompanhamento quase que diário dos acontecimentos, e houve uma contaminação do mesmo clima internacional. O ano de 1968 foi um fenômeno de massa em vários países, cada um com sua razão particular, mas com uma referência comum: a idéia de fazer parte de um movimento internacional.
Folha Online - E essa referência comum seria a reação contra a Guerra Fria e os governos autoritários?
Carneiro- Esse é o motivo de fundo central. Era uma oposição à Guerra do Vietnã (1959-1975), que foi decisiva nos EUA, mas também na Alemanha, já que o levante no país europeu tinha muito de solidariedade internacional. Mas também [foi um movimento] de recusa à ex-União Soviética (URSS), de recusa à polaridade em dois blocos, ambos considerados pelos manifestantes como ditatoriais e imperialistas em certa medida. Ainda mais com o processo que estava ocorrendo na Polônia e na Tchecoslováquia (atual República Tcheca), que foi reprimido pelos soviéticos, principalmente no caso tcheco.
Folha Online - O movimento de 1968 pelo mundo foi sufocado pelos governos da época. O que restou dele que dura até hoje em dia?
Carneiro- Olha, em primeiro lugar, eu concordo que houve uma derrota imediata dos movimentos, que foram violentamente reprimidos, com centenas de mortos. No caso da França foram poucos mortos, mas houve um ordenamento do governo. Nos Estados Unidos, houve uma repressão brutal, muitos mortos, e o Nixon conseguiu se eleger. No entanto, o movimento teve uma espécie de vitória em longo prazo. Houve conquistas imediatas, sobretudo na França, que serviram até mesmo para neutralizar as manifestações, por meio do aumento salarial e de várias concessões na administração universitária. Mas as grandes conquistas talvez sejam no âmbito ideológico, e até simbólico, que instaurou uma política cultural alternativa. As reivindicações feministas, dos direitos dos homossexuais, das minorias étnicas raciais, como os negros nos EUA, ou os indígenas e etc., todas essas questões se tornaram centrais, inclusive a ecológica. Ocorreu uma espécie de despertar de uma geração que passou a colocar novos assuntos na agência política. Também houve o movimento psicodélico, questionando a proibição das drogas e a existência de outras legais, como o tabaco e o álcool. Acho que isso resultou em uma reivindicação de democracia cultural.
Folha Online - Qual a herança que 68 deixou para os estudantes de hoje?
Carneiro- Há uma primeira grande herança, que foi a retomada no grande encontro contra a globalização que começou em Seattle em 1999, a primeira mobilização contra as reuniões do G7 [grupo dos sete países mais ricos do mundo] --formado por EUA, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá-- e dos organismos financeiros internacionais. Esse movimento contemporâneo, que ainda está em andamento, se manifestou contra a Guerra do Iraque, e tem de 68 duas grandes heranças. Uma é a autonomia ideológica em relação tanto ao modelo da produção stalinista do modelo soviético, ou cubano, a busca de uma esquerda que não seja totalitária, mas que também não seja uma esquerda oficial institucionalizada, que se tornou a esquerda governante da Europa: a social democracia. A outra herança é a questão cultural. A busca de um questionamento de valores ligados à ordem moral do sistema vigente, à ordem que justifica guerras e uma série de formas de opressão ligadas ao machismo e à perseguição. A revolução sexual é outra questão importante da década de 60, com a retomada da erotização da vida. A idéia que o sexo é uma das coisas importantes de serem realizadas, e não deve ficar restrito a formas institucionais ou matrimoniais. Isso também está ligado à criação da pílula anticoncepcional, que começou na década de 60.
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