sábado, 24 de novembro de 2007

Juventude protagonista e democratização da sociedade.

Juventude protagonista e democratização da sociedade.

A primeira vez que ouvi a palavra protagonista ser aplicada fora das telinhas do cinema foi na minha formação em Psicodrama, nos idos de 80. Com ele, o(a) protagonista colocava em ação a sua história, com o(a) outro(a) e para o(a) outro(a), num processo mútuo de aprendizagem, no encontro. Na mesma época, este termo, já tão familiar para mim, ganha destaque nas práticas pedagógicas e nas políticas propostas para a juventude por Antonio Carlos Gomes da Costa, que aposta na força transformadora do(a) jovem, cunhando a expressão “protagonismo juvenil”. Com ela mobiliza a juventude, dando-lhe o direito e o dever de ser construtora e autora “de sua história e da história de seu país”.

A origem disso, no entanto, deve-se às idéias e experiências de Roger Hart, um psicólogo americano que Antonio Carlos Gomes da Costa conheceu numa viagem à América Central. Suas idéias a respeito das crianças e adolescentes podem ser resumidas na seguinte citação: “A participação é um importante antídoto às práticas educativas tradicionais, que correm o risco de deixar a adolescência alienada e exposta à manipulação. Por meio de uma participação genuína em projetos que levem à solução de problemas verdadeiros, os jovens desenvolvem capacidades que são essenciais para autodeterminação de suas opções políticas. O benefício é duplo: a autodeterminação do jovem e a democratização da sociedade”.

É sobre isso que quero refletir, a partir de dois fatos importantes para a educação de nossa cidade. O primeiro, protagonizado por estudantes da Universidade Federal do Paraná, numa ação polêmica de mobilização contrária ao REUNI, plano de reestruturação das universidades brasileiras e, o segundo, protagonizado por estudantes do ensino médio do Colégio Estadual do Paraná, exigindo a saída da interventora e solicitando o direito de escolher, através do voto, quem deve dirigir a escola.

No primeiro, mesmo sendo contrária á ocupação como método de luta, reconheço a importância do movimento, necessário onde o diálogo é mascarado em relações desiguais de poder. Muitos(as) professores(as), pesquisadores(as), funcionários(as) e estudantes viram frustradas suas expectativas de discutir e votar a adesão a esse modelo que, em nome da ampliação de vagas e disponibilização de verbas, de forma irresponsável e equivocada, vulgariza e coloca em risco a qualidade dos(as) profissionais que serão formados(as). É o modelo tão questionado da aprovação em massa do ensino fundamental que se estende ao ensino superior, que passa à obrigatoriedade de 90% de aprovação, em troca de 20% a mais de recursos onde tudo falta.

Esgotadas as possibilidades éticas apontadas pelos(as) trabalhadores(as) federais do ensino superior frente ao REUNI, sobraram aos(às) estudantes, e somente eles(as) poderiam ir mais além, chamar a atenção para o caos que se instala nas universidades brasileiras e para a estrutura hierarquizada da instituição, cuja representação estudantil é sempre minoria e poucas vezes se faça ouvir, embora tenha vez e voz em todas as instâncias. Importante lembrar que a atual gestão para a reitoria foi eleita sem a maioria dos votos dos(as) estudantes. Vencidos na causa, mas vencedores na “sua trajetória biográfica com o mundo adulto” por uma educação e formação de qualidade, sem propinas oficializadas.

Mas, bonito de se ver, embora com tristeza no coração, é a ação organizada e corajosa dos(as) estudantes do Colégio Estadual do Paraná em prol do sepultamento, de uma vez por todas, dos ranços do modelo militar autoritário que impunha, como líder, em todas as instâncias, quem não consegue ser liderança. Independente da qualidade da gestão a que se propõe, quem se submete a exercer tal função em nome do poder, não o faz em nome da democracia. A direção de uma escola deve estar a serviço do pedagógico e não se sobrepondo a ele. A direção é para os(as) estudantes, professores(as), funcionários(as), pais e mães, pedagogos(as) e comunidade. Quem dirige para o secretário ou governador é interventor (tem sido assim nos últimos anos). Cabe lembrar que a atual interventora nem ao menos pertence ao quadro próprio do magistério do estado.

A escola existe em função de e para os(as) estudantes. A direção, os(as) professores(as), os(as) técnicos(as) administrativos e demais profissionais da educação estão a serviço da aprendizagem dos estudantes. E quando estudantes e educadores(as) se unem em prol de uma causa, muito pouco de engano há por aí. E assim o protagonismo se dá, contribuindo para “o desenvolvimento do senso de identidade, da auto-estima, do autoconceito, da autoconfiança, da visão de futuro, do nível de aspiração vital, do projeto e do sentido de vida, da autodeterminação, da auto-realização e da busca de plenitude humana por parte dos jovens”.

Destaco também o protagonismo corajoso da estudante que, sozinha sobre o muro, enquanto os(as) demais estudantes davam o “abraço” na escola, com um simples cartaz pedia para a “diretora” ficar.

É preciso que o mundo adulto compreenda e acolha essas atitudes, acompanhando, orientando e ajudando a juventude a construir a sua autonomia em situações construtivas e solidárias na solução de problemas que lhes são reais. Chamar a polícia, penalizar seus adultos de referência, exonerar trabalhadores(as) que se posicionam em lados diferentes, chamar os(as) estudantes de moleques e outros termos que os desqualificam são atos covardes e autoritários, reforçando o paradigma de violência que impõe a força sobre o diálogo.

Cèlestin Freinet, educador francês do início do século passado, dentre seus Invariantes Pedagógicos apontava como primeiros: “ser maior não significa ser necessariamente melhor” e que “as crianças, assim como os adultos, não gostam de ser mandados”.

Paulo Freire, em sua obra “Pedagogia da autonomia”(1996), entre tantas dádivas afirma que ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo, exige tomada consciente de decisões, saber escutar, reconhecer que a educação é ideológica, disponibilidade para o diálogo e, principalmente, exige querer bem aos educandos. Que os fatos nos apontem esperança. Juventude é presente e futuro. De cara pintada ou com nariz de palhaço, vão sinalizando como podemos democratizar a sociedade.

Araci Asinelli da Luz
Doutora em Educação.Professora do Setor de Educação da UFPR

Nenhum comentário: