sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Carta de Ramiel, aluno

Curitiba, Paraná, 23/11/2007

Olá para todos, Sou aluno do Colégio Estadual do Paraná - CEP, em Curitiba, maior colégio do estado e um dos maiores do Brasil, com aproximadamente 5.000 alunos e 161 anos de história, sendo o colégio mais antigo do Paraná.A importância do CEP nos âmbitos municipais, estaduais e até nacionais é inquestionável, já que importantes figuras de nossa sociedade, como atores, políticos, empresários e educadores passaram pelos bancos desta escola.O motivo que me faz escrever esta carta, é tornar publico a todos que ainda não estão por dentro ou não entendem a situação absurda em que alunos, pais, professores e funcionários desta instituição de ensino vem passando neste último ano. E lógico, mostrar minha própria indignação.O CEP é a única escola pública de todo o estado do Paraná que não possui eleições diretas para o cargo de diretor-geral, neste caso, é o governador do estado que escolher o diretor da escola. Vale lembrar, que este sistema vigora desde a época da ditadura militar, quando foi aprovada a lei que estabelece até hoje tal situação. Sempre ocorreram protestos e movimentos pró-democracia na escola, mas não surtiam muito efeito, pois os diretores realizam administrações razoáveis, que conduziam o colégio de forma democrática e respeitando projetos pedagógicos coerentes. Situação que não ocorre neste ano de 2007.No início deste ano, entre os meses de fevereiro/março, o governador do estado, Roberto Requião, decretou como nova diretora do CEP, a profª Maria Madselva Ferreira Feiges, grande educadora e pedagoga da Universidade Federal do Paraná - UFPR, com carreira educacional e ideais pedagógicos elogiados e reconhecidos por toda sociedade. Junto a ela, criou-se uma esperança de que a escola passaria por novos tempos, e realmente passou, mas completamente diferente do que esperávamos. Eu inclusive era um dos mais alegres com a nova direção.Depois que assumiu, a diretora Madselva começou a implementar sua nova política de ensino, mudando o sistema de avaliação drasticamente.

De início, os professores (todos do mais alto nível educacional) começaram a questionar algumas medidas pedagógicas da atual direção, e sugerindo novas propostas, já que numa escola onde temos mais de 200 professores e 5000 alunos, não se dá para mudar as coisas de uma hora pra outra. Aparentemente, ela iria escutar as sugestões e reclamações, e levá-las em conta. Não foi o que aconteceu. Ao passar do tempo, sem respostas sobre seus questionamentos, os professores se reuniram e pediram esclarecimentos, e a direção, sem se manifestar... O impasse começava a surgir a nível dos professores.Entre os funcionários, vários deles foram humilhados pela diretora, alegando ela que eles não eram competentes, não trabalhavam direito. As inspetoras de corredor foram afastadas de seus lugares e colocadas na limpeza, o que ocasionou uma falta de organização onde alunos permaneciam nos corredores e inclusive atrapalhando as outras turmas e interrompendo aulas. Entre pais e alunos, o descontentamento pela falta de comunicação e acesso a diretora, a falta de reuniões, a falta de respostas a seus questionamentos, a confusão no sistema avaliativo e plano pedagógico da direção. O descontentamento estava presente na maior parte da comunidade escolar: alunos, pais, professores e funcionários.Em meados de setembro/outubro, professores, funcionários, pais e alunos, elaboraram uma Carta-denúncia sobre a situação no colégio e encaminharam ao secretário da educação, Mauricio Requião, irmão do governador. Na ocasião, foi prometido atenção especial a denúncia. Mas não tivemos resposta. No dia 05 de novembro, ao realizar visita ao colégio, os alunos e alguns professores, abordaram o secretário e lhe entregaram novamente outra cópia da carta-denúncia.O clima estava cada vez mais tenso no colégio, o descontentamento com a direção geral fez todos pensarem sobre a administração dela e repensarem ainda mais a falta de democracia na eleição de diretor do maior colégio do estado.

No dia seguinte, terça-feira 06/11, no intervalo do turno da manhã, seria realizada a entrega do prêmio da rifa de formatura na arena central do colégio. Quando a diretora-geral apareceu na arena para a entrega do prêmio (o que é muito raro de acontecer) alguns alunos começaram a questioná-la ali mesmo sobre seu plano pedagógico, sobre a perseguição de professores e a falta de valorização dos mesmos, entre outros assuntos. Os alunos clamavam por resposta a muito tempo, e não dava mais pra esperar. Nisso, ela falou que se quisessem poderiam ir sozinhos até a sala dela e conversar a respeito. Os alunos se negaram, pois achavam que TODOS os alunos são iguais e mereciam naquele momento um diálogo e respostas. A diretora se recusou a dar respostas e disse que não iria se rebaixar ao nível deles.Os alunos se revoltaram, se mobilizaram, e de repente eclodiu o movimento dos alunos, que não voltaram para as salas e foram para a frente da escola, em pleno Centro da capital do estado, protestar em prol de uma escola mais democrática. Professores e alunos juntos, em prol de um mesmo ideal. A direção se manifestou dando como única alternativa reunir de três em três turmas, em uma sala, pra conversar, os alunos protestaram, queriam todos ao mesmo tempo no auditório. A direção fechou a janela por onde estava falando no microfone e nos deixou sem alternativa... Aceitamos.No dia seguinte, quarta-feira 7/11, a primeira reunião, com as primeiras 3 turmas, perdurou por mais de 3 horas. Quando o resto da escola seria ouvido? São 47 turmas! Quando todos iriam ser ouvidos? Então no intervalo os alunos ameaçaram nao subir pras salas caso ela não descesse lá entre os alunos e não falasse com todos. Ela aceitou, desceu e falou, mas falou muito, mas nenhuma resposta concreta foi dada, éramos feitos de bobo mais uma vez. Os protestos continuaram... e o inesperado aconteceu. A Polícia Militar chegou, e de forma inaceitável prendeu um aluno da escola, menor de idade, sem ter motivo algum para tal feito. O aluno inclusive foi algemado, colocado no camburão, e agredido verbalmente e fisicamente por parte dos policias, dentro da própria escola e na delegacia.
O clima está cada vez mais tenso. O Governo do Estado, através da Secretaria de Educação , encara o movimento como uma simples revolta de alunos baderneiros e "moleques" como o próprio secretário nos chamou, que são influenciados por professores descontentes porque têm de assinar livro-ponto. Inclusive professores que nos representavam na Comissao de Negociação foram afastados. Um aluno foi preso a um tempo atrás... percebem a situação?O governo alega que não tem motivo jurídico plausível para retirar a Profª Madselva do cargo, afinal ela não roubou nada, e não tem interesse nenhum no momento em eleições no colégio. Onde fica a educação e a democracia? Humilhar e perseguir professores, deixar prender alunos e não fazer nada, desestabilizar completamente o ambiente de ensino no maior e mais tradicional colégio do estado, isso não é um motivo plausível para mudar a direção? Será que isso não importa?Agora podem me perguntar, porque "ditadura"?Professores, pais, alunos, estão alguns com telefones grampeados, alunos já sofreram ameças de prisão por parte de policiais, professores já foram ameaçados de morte, porque pensam diferente do que a direção e o governo pensam. Não há liberdade de expressão, como a própria diretora já afirmou em off... Direção ameaçando não liberar documentação para quem passar no vestibular, Governo diminuindo nossos motivos para ter razão, promotor de Ministério Público estranhamente mandando cartas as pressas para todos os pais do colégio enaltecendo a pessoa da Profª Madselva e alegando guerra política, sem fundamento, e recomendando aos pais que façam seus filhos ficaram nas salas e não protestarem, a Televisão Paraná Educativa, tv estatal, modificando os fatos e passando informação distorcida... inclusive a diretora chamou os professores de mentirosos e dramáticos demais em rede estadual na Tv Paraná Educativa.Isso não vos lembra alguma coisa senhores?

Fica aqui registrada a indignação de um aluno, mas antes de mais nada brasileiro, que vê seus direitos sendo negados, vê uma manipulação e uma distorção do que está acontecendo, vê seus professores sofrendo e no limite, vê seus amigos colegas sofrendo e com medo, vê os pais lutando e indignados, vê tudo o que não queria ver, e não vê o que mais queria: vontade política do governo que deveria representar a vontade geral do povo e não o faz.

Ramiel Duarte da Silva.

- Aluno e brasileiro que toma coragem para deixar a público sua opinião mesmo sabendo que corre sérios riscos a sua integridade moral e física depois disso

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