terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Educação por blocos no CEP: mais uma contribuição "pedagógica" da Madselva

Quando os colégios viram olarias
Maurício Fernando Bozatski

Toda vez que volto a Prudentópolis lembro como uma parte importante das cidades é feita. A minha cidade natal deve ser uma das que tem mais olarias (cerâmicas) em todo o planeta. Nestas olarias são produzidos os tijolos e as telhas tão vitais para o progresso das cidades. A arte de fabricar tijolos é bastante simples, é necessário argila de boa qualidade, lenha para o forno e mão-de-obra que trabalhará muito junto ao calor escaldante dos fornos, recebendo pouco para isso, para que se produzam estas maravilhas da civilização. Segundo a Bíblia e alguns mitos babilônicos o próprio homem foi feito com barro, e isto é simples de explicar visto a importância que o barro possui até hoje para países como o Irã e o Iraque.

Roger Waters da banda Pink Floyd foi um dos primeiros a relacionar alunos a tijolos e escolas a olarias em sua música Another Brick in the Wall. Enquanto professor, apesar de gostar da banda inglesa, sou um pouco mais otimista em relação à educação, pois vejo que os professores podem criar, inovar, desenvolver novas metodologias, há muita liberdade para isso mesmo na rede pública. Desde 2005, tempo em que leciono no quadro próprio do magistério do estado, nunca uma coordenadora pedagógica entrou na minha sala para ver como são minhas aulas e também nunca se confrontou meu plano de ensino com o que efetivamente leciono em sala. Assim, posso criar projetos, trabalhar com filmes – já fui premiado em âmbito nacional por isso –, convidar colegas das outras áreas para lecionarmos juntos interdisciplinarmente numa mesma turma. Por esta razão sempre acreditei que os professores produzem tijolos e não alunos pensantes apenas se tiverem afinidade para serem oleiros e não educadores.

Todavia, minha fé está levando um duro golpe. A maioria dos colégios está adotando o formato de educação por blocos. Para quem não sabe como isto funciona, mostrarei sucintamente e também formularei algumas perguntas que parecem não ter sido feitas por ninguém.

As disciplinas tradicionalmente ensinadas ao longo do Ensino Médio, acrescidas de Sociologia e Filosofia foram divididas em dois blocos. Os alunos irão estudar em um bloco a cada semestre; se reprovarem repetirão o semestre e o mesmo bloco, e assim não perdem um ano no caso de reprovação, mas apenas seis meses, o que desonera o estado. A primeira pergunta é: quem dividiu as disciplinas e determinou a relação entre as que estão em determinado bloco? Isto não vai à contramão de tudo o que vem sendo defendido como a transdisplinaridade e o pensamento complexo? Segundo, a Educação Física, apesar de ter o seu conteúdo científico a ser repassado e de os colégios quase não terem condições adequadas à sua prática, deve ser oferecida ao longo de todo o ano letivo. Os adolescentes deixarão de se alimentar e metabolizar ao longo de um semestre ao ponto de não precisar praticar esportes? Será que não se sabe que a única pratica esportiva de alguns é o momento da aula de Educação Física?
Terceiro, apesar de muitos não perceberem, a carga horária de várias disciplinas foi reduzida. Língua Portuguesa, por exemplo, que era oferecida em quatro aulas semanais, ao longo de quatro bimestres teria 160 H/A, e agora, nos blocos, é ofertada em seis aulas semanais, totalizando apenas 120 H/A. Se os alunos já tinham dificuldade em aprender a escrever e interpretar textos a contento com 160 horas de aulas no ano, será que se tornarão melhores com 120 horas no ano? E Filosofia e Sociologia que tinham garantidas 80 horas-aula no ano, com duas aulas semanais por bimestre, agora terão apenas 60 horas-aula com três aulas na semana ao longo de um semestre.

Enfim, o que parece é que o governo quis implantar duas novas disciplinas no Ensino Médio, e como não tem estrutura para oferecer um ensino integral, e só pode oferecer 25 aulas semanais, então reduziu a carga horária de outras disciplinas discretamente. E fez isso com a implantação dos blocos sem que, num primeiro momento, a maioria dos professores que lecionam as mesmas percebesse isso, sobretudo, por que o próximo ano é ano de eleição.

Blocos é a forma como são feitos tijolos e tijolos é o que se usa para fazer os blocos acéfalos que são formados anualmente nas salas de aula e agora ainda mais com este formato novo. Parece que Roger Waters estava certo, pois se for assim, “We don't need no education”.


Fonte: Jornal da Manhã news

2 comentários:

Adriano disse...

Muito lúcido o texto. Parece que o governo só pensa em melhorar os números e índices da educação, e o resultado deste processo é uma porcaria, então danem-se os alunos...

larissa disse...

Achei o texto ótimo...retrata bem a realidade vivenciada!